"Victor/Victoria": Um Tesouro dos Anos 80

As vezes temos contato com alguns filmes que parecem "pra-frentex" demais para as épocas em que eles foram lançados. Esses longas nos lembram que muita coisa que enfrentamos hoje em dia já existia há décadas, e se por um lado isso possa ser uma perspectiva pessimista, por outro essas produções nos mostram que a briga vale a pena, e sempre valeu.

Julie Andrews em "Victor/Victoria"

Embora tenha sim seus problemas, "Victor/Victoria" é certamente um filme desse naipe. Lançado há exatamente 40 anos, o musical escrito e dirigido por Blake Edwards, é um filme de 2 horas e 14 minutos, que infelizmente não consta em nenhuma plataforma de streaming grande no Brasil.

Robert Preston e Julie Andrews em "Victor/Victoria"

A narrativa segue Victoria Grant (Julie Andrews), uma cantora inglesa em Paris na década de 1930. Quando Victoria se encontra numa situação financeira desesperadora, ela traça uma amizade com "Toddy" (Robert Preston), que lhe apresenta uma alternativa artística que muda sua vida.

"Victor/Victoria" é um musical extremamente charmoso, que explora muito bem tanto a época abordada dentro da narrativa quanto fora dela (anos 80); além de contar com um roteiro brilhante que entrega uma história maravilhosamente envolvente e engraçada.

Os diálogos de Edwards são espertos, cheios de personalidade e essencialmente carismáticos. O roteirista desenvolve muito bem as dinâmicas entre o núcleo protagonista, que também conta com a tremenda sorte do elenco produzir uma boa química instantânea entre esses personagens.

Lesley Ann Warren, James Garner e Alex Karras

Além de Andrews e Preston, o longa ainda conta com James Garner, Alex Karras e Lesley Ann Warren, que compõe as vezes o núcleo antagonista, as vezes um adendo à comicidade de algumas cenas.

"Victor/Victoria" também é hábil em tratar de temas "sensíveis" como as relações homossexuais do filme e o que conhecemos hoje em dia como fluidez de gênero, que é o coração da narrativa. O roteiro é inteligente em equilibrar o reconhecimento desses temas, com personagens abertamente comentando sobre sua sexualidade, mas também deixando algumas coisas em aberto.

É interessante que - principalmente pensando na década de lançamento do filme - esses temas foram tratados com tremenda naturalidade, dignidade e que derrama charme entre as cenas.

Boa parte disso deve ser creditado à maravilhosa Julie Andrews que aqui não só demonstra uma capacidade cômica em sua performance, mas também, mais uma vez, nos faz lembrar que seu talento também ramifica para a música. Todas os números musicais são maravilhosos, e é garantido ficar na cabeça dos espectadores muito depois do filme acabar.

O restante do elenco segue a linha de qualidade muito bem, e todos os personagens são divertidos, engraçados, espertos e apaixonantes. A atenção, o entanto, vai para "King Marchant", interpretado por Garner. Seu personagem é o que mais passa por mudanças internas dramáticas, e por ele é introduzido o tema da masculinidade desafiada. Junto com Victoria, seu personagem é o mais marcante da narrativa.

James Garner e Julie Andrews em "Victor/Victoria"

Concluindo, "Victor/Victoria" é um musical cômico único, que certamente encanta as audiências tanto hoje em dia quanto no período em que foi lançado. Ele trata de temas que merecem mais espaço no audiovisual, e embora alguns de seus personagens sejam um tanto problemáticos, a mensagem não deixa de ser passada mesmo assim. Vale muito a pena assistir, especialmente num dia em que o importante é relaxar a curtir uma boa narrativa.