"A Cor Púrpura": Música para os ouvidos, mas já ouvimos ela antes
- Helena Vilaboim
- Feb 8, 2024
- 3 min read
A segunda adaptação do livro “A Cor Púrpura” (The Color Purple) chega aos cinemas brasileiros no dia 8 de fevereiro de 2024 com muita música, mas apesar da repaginagem na estrutura comparado à versão de 1985, a mensagem final do filme fica pedida no tempo em que a história chegou pela primeira vez ao público, há 42 anos.
A história do filme, baseada na peça da Broadway que adaptou o livro de Alice Walker, segue a vida de Celie, uma garota negra em uma cidade rural nos Estados Unidos na virada do século 20, que sobrevive à violência de um pai abusivo, à perda de dois filhos ainda na adolescência, à um casamento opressivo e violento e encontra o caminho da liberdade e amor através da amizade com outras mulheres.
“A Cor Púrpura” é um musical que tem a duração de 2 horas e 21 minutos, e foi dirigido por Blitz Bazawule, e o roteiro para o filme foi adaptado pelo roteirista Marcus Gardley. O filme, que é composto de um elenco completamente negro, junta algumas das melhores perfornances artísticas de 2023, e é literalmente música para os ouvidos da plateia.
Fazendo o papel da protagonista, Celie, as atrizes Phylicia Pearl Mpasi (versão jovem) e Fantasia Barrino dão um show cena após cena, enquanto contam a história terrivelmente sofrida da personagem. Fantasia em especial é talentosíssima em sua arte, que não espantaria ninguém que tenha a assistido atuar e a cantar que seu nome não aparecesse em algumas premiações prestigiadas de cinema.
Durante a maior parte de sua vida, Celie teve seus amores, seus sonhos, sua liberdade e futuro tirados dela por homens, primeiramente seu pai (Deon Cole) e depois por seu marido, Mister (Colman Domingo). Violentada quase diariamente, Celia é presa à casa e às atividades domésticas, e permanece uma personagem bastante passiva por boa parte da narrativa.
Para balancear a história, entram em cena Sofia (Danielle Brooks) e Shug Avery (Taraji P. Henson), duas mulheres muito à frente de seu tempo e em controle de suas vidas, um forte contraponto em relação à Celie, mas é a partir da amizade com essas duas mulheres, que nossa protagonista evolui e encontra sua força interior.
Com um elenco extremamente doado ao projeto e uma direção inspirada e bem ritmada, “A Cor Púrpura” entra muito fortemente no tema de crescimento através das relações de irmandade entre mulheres, e é certamente uma narrativa que parte do feminismo. Mas o roteiro e a mensagem final do longa podem ficar um pouco datados para as audiências dos dias atuais, a despeito do talento empregado ao desenvolver o projeto.
Isso porque, partindo de uma sociedade norte-americana na virada do século, essa versão, assim como certamente o livro original, e suas adaptações partem muito da influência do cristianismo e dos mandamentos na vida das pessoas.
Através do sofrimento e da sequência de tragédias que acontecem na vida de Celie, “A Cor Púrpura” trabalha muito a questão do perdão e, de certo modo, da “justiça divina”. Partindo de um ponto de vista histórico, não há nada de errado com isso, e tanto o roteiro quanto a direção do filme trabalham esses temas muito bem, mas em contrapartida, ele deixa de lado o tema da responsabilidade própria, que tem estado muito em voga nos últimos anos no cinema ocidental.
Ao desenvolver uma protagonista que é essencialmente feita passiva pelo medo durante boa parte da narrativa, mas que é também essencialmente boa faz com que alguns dos momentos da resolução do filme um tanto frustrantes, como a conclusão do relacionamento entre Celie e Mister.
“A Cor Púrpura” é com certeza um filme que deveria ser visto, mas acredito que espectadores vão beneficiar mais da experiência ao terem em mente que esse não é um típico filme dos dias atuais.
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