Carnaval: Feito por turistas, para turistas.
- Clara Ballena
- Jun 6, 2021
- 4 min read
Há diversas formas de prestar homenagem a algo que admira, e o filme “Carnaval” da Netflix, até tenta, mas se apropria e cai em tantos clichês cansativos, que a homenagem serve muito mais como um outdoor para pessoas de outros locais conhecerem Salvador, do que ser um filme que valorize as pessoas locais.
O filme gira em torno de 4 amigas, Nina (Giovana Cordeiro), Vivi (Samya Pascotto), Mayra (Bruna Inocencio) e Michelle (Gessica Kayane ou Gkay). Nina, uma influencer que está tentando chegar ao tão sonhado um milhão de seguidores, consegue a oportunidade de levar suas 3 amigas ao carnaval de salvador. A direção do filme é de Leandro Neri, e o roteiro do mesmo, contando com mais dois roteiristas, Audemir Leuzinger e Luisa Mascarenhas. Há também a consultoria de roteiro de Marcelo Saback, o único soteropolitano na equipe de roteiro e direção.
Vamos começar pelas personagens. As personalidades de todas são superficiais, sendo caracterizadas por arquétipos cansativos e fracos. Nina é a blogueira que vive por likes; Vivi é a “Geek” insuportável que faz perguntas sobre séries e filmes a todo o instante; Mayra é a zen do grupo e única com traumas passados e um pouco de profundidade; Michelle é a pegadora do grupo, única e exclusivamente presente para fazer todas as cenas de beijo no carnaval de Salvador. As atrizes Giovanna e Bruna são as que mais se entregam nas atuações, tendo cenas com maior impacto. Ambas as suas personagens possuem o maior (ou único) laço afetivo de amizade. Elas também são as únicas a terem contato com o Candomblé, mesmo que para isso uma personagem necessite chegar em segundos, da Barra até o Pelourinho. Com isso, me pergunto como seria, se apenas houvesse a presença das duas personagens no filme. O alívio cômico é gerado pelas personagens Vivi e Michelle, que estando ou não no filme, não fazem diferença para a narrativa fluir.

As protagonistas tem uma personalidade tão linear e às vezes até mesmo insuportável, que até fazem elas falarem diversas vezes ao mesmo tempo, apenas para não escutarmos as suas discussões, isso sendo algo que acontece em diversos momentos, percebendo um roteiro que, tenta utilizar a beleza da cidade e da maior festa popular para esconder a falta de profundidade e trabalho com as personagens.
O filme ainda conta com a influencer Flavia Pavanelli, que trabalha no papel de uma influencer (ou seja, ela mesma), que está lá para ser a antagonista / má influência para a personagem Nina (que em certo momento do filme até é cancelada por dizer falas completamente racistas e homofóbicas, justificando que não possui amigas para dizer o que é certo e errado a ela). Há também o ator Lipy Adler, que faz o papel de um cantor famoso chamado Freddy.
Somente dois atores no filme são soteropolitanos, que estão no papel de parceiros românticos de duas personagens, um sendo um produtor chamado Salvador (Jean Pedro), o outro como um guia turístico chamado Samir (Rafael Medrado).
Os atores cumprem o seu papel previsto no filme, e tentam em seus momentos de tela, representar o pessoal de Salvador da melhor forma que o roteiro permite. (Não os crítico pelos erros cometidos no filme, afinal, eu mesma aceitaria sem pensar duas vezes, em estar em uma produção de um dos maiores streamings do mundo).
A Salvador do filme serve para as personagens como um ilusório mágico, que está ali somente à disposição das protagonistas que não cativam. O filme salienta a todo o instante que representa Salvador, mas mostra incoerências a todo o instante. A trilha verossímil mata a saudade do carnaval, e representa as músicas de Salvador devidamente. Mas, como uma soteropolitana (termo que nem surge no filme) assídua do carnaval de Salvador, me entristece como o filme apenas mostra cenas rápidas do carnaval de rua, e considera que seu papel de representante foi devidamente cumprido.
Afinal, que representatividade é essa, que logo quando as protagonistas chegam a Salvador, já soltam um dos maiores, e superficiais clichês, que todo o baiano é preguiçoso? E mesmo com um ator soteropolitano respondendo a altura o comentário, qual a necessidade de colocar todas as gírias baianas em uma frase, para causar nas personagens uma risada sem graça de não entenderem nossas palavras? Que Carnaval é esse, que somente apresenta os camarotes e o circuito da Barra - Ondina? Que Salvador é essa que possui resorts caríssimos próximos a Barra (obviamente gravado em Praia do Forte) e que as personagens se deslocam com uma maior facilidade, atravessando avenidas paralisadas até chegar aos camarotes? Que Salvador é essa, que quando um personagem fala com todas as palavras, que irá mostrar a real Salvador para as turistas, as levam somente para o Pelourinho?

Não adianta pegar todos os pontos turísticos de Salvador (que são lindos, obviamente), e acreditar que está cumprindo o seu papel. Pode até conseguir cenas esteticamente belas, que obviamente vão encantar quem nunca visitou a cidade, e relembrar aos locais como nossa cidade é maravilhosa. Porém, nossa cidade não é apenas para os turistas aproveitarem o quanto quiserem, e mesmo assim continuarem usando de nossa cultura e de nosso palavreado de forma cômica e superficial. O filme é a magia da cidade para os turistas, é o ponto de vista de nossa cidade através do olhar de uma produção composta majoritariamente por pessoas que não são de Salvador.
Em resumo, "Carnaval" é um filme para quem não é de Salvador. Quem não conhece a cidade ou apenas visitou, vai poder rir e relaxar um pouco, além de relembrar clássicos cartões postais da cidade. É um filme para descontrair, então não espere personagens bem trabalhados, planos interessantes ou valorização da cidade para os que moram aqui.
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