"O Carteiro e o Poeta": A Poesia não pertence a quem a escreve, mas a quem precisa dela
- Helena Vilaboim
- Sep 25, 2023
- 3 min read
Sejamos honestos: aprendemos muito mais com as histórias ficcionais do que com as realistas. Ironicamente, quando tiradas do "Lugar Comum", essas narrativas têm a estranha capacidade de se ligar com algo intrinsecamente humano, intrinsecamente belo: a vontade de ser melhor.
Quando ficção e realidade se juntam, então... sob o sol escaldante do sul da Itália e ao som das ondas e de versos bem recitados... o efeito é potencializado. Além disso, em setembro, ganha um apelo a mais: a recordação do golpe militar do Chile em 11 de setembro de 73, e da morte de Pablo Neruda, em 23 de Setembro de 1973.

O filme de 1994 "O Carteiro e o Poeta" (Il Postino), de Michael Radford e escrito por Massimo Troisi, que também estrela o filme ao lado de Phillipe Noiret, é nostálgico, delicado e definitivamente melancólico. "O Carteiro e o Poeta" trata de amizade, opressão e jovens amores, e parece perfeitamente situado na Itália.
A narrativa do filme segue o jovem Mario Ruoppolo (Troisi), que ao começar a trabalhar como carteiro, é encarregado a levar a correspondência diariamente ao único morador letrado da vila: o poeta chileno Pablo Neruda, exilado na Itália.
Durante o período que Neruda chega á ilha e até saída. os dois desenvolvem uma amizade, ao mesmo tempo que Mario começa a apreciar a beleza da simplicidade, perceber a opressão que corre solta em sua vila, e utilizar da poesia para tanto lutar contra isso, quanto ganhar as afeições de da garota por quem é apaixonado: Beatrice (Maria Grazia Cucinotta).
Com a junção da escrita inspirada de Troisi e a direção nostálgica e intimista de Radford, o produto final de "O Carteiro e o Poeta" é uma narrativa visual extremamente delicada, que cativa e encanta, mas que se utiliza disso para entrar em certos tópicos que encontram os corações e as mentes da audiência já abertas e dispostas a apreender certas lições. Ou pelo menos pensar nelas.
Se por um lado, a direção é delicada e intimista, a narrativa escrita nos diálogos entre Mario e Pablo Neruda é extremamente forte ao mesmo tempo que é singela e honesta. Há uma primeira estranheza entre os dois, porque, incentivado e instruído por seu chefe a tratar o poeta com o maior respeito e servidão, Mario pensa que essa pessoa é de outro mundo, algo que transcende o humano.

Entretanto, através da poesia do próprio Neruda, e pela vontade de aprender mais sobre como palavras podem causar tanta mudança, Mario passa a ter uma visão privilegiada do poeta: entre uma produção e outra, ele dança, vai a bares, medita sobre o mundo ao redor. Mario vê Pablo Neruda descendo do pedestal e torna-se seu amigo e aprendiz.
É interessante que, apesar da admiração, e também do desprezo, com que os moradores da ilha tratam, pensam e falam de Neruda, quem consegue vislumbrar seu mundo interior é Mario, que simples e curioso chega com perguntas e vontade de aprender.

"O Carteiro e o Poeta" é um filme extremamente romântico, mas também trágico. Se por um lado Mario consegue o coração de Beatrice por meio da poesia, habilmente roubada de Neruda, ele também o perde ao envolver-se demais com a política da ilha e, travando uma disputa com um político hipócrita, paga o preço.
Visualmente belíssimo e tendo uma força singela em sua narrativa escrita, "O Carteiro e o Poeta" é um daqueles filmes que cativam o espectador por sua simplicidade e honestidade mesmo que não seja uma história real. Ele cai na categoria de realismo mágico, assim como muitos dos poemas de Neruda.
O filme conta com 1 hora e 49 minutos de duração e está sendo exibido HOJE em Salvador no Cine Daten Paseo, em comemoração à memória de Pablo Neruda, que morreu há 50 anos.
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