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"Angela": Não entre pelo aspecto artístico

A história de Ângela Diniz se tornou lenda. Assassinada pelo namorado, lesada pela lei mais de uma vez, a história de Ângela deu voz à mulheres silenciadas nos anos 70 em diante, e alimentou o movimento feminista, além de iniciar o que seria no futuro a lei maria da penha.


No Spotify, o podcast "Praia dos Ossos" estreou na plataforma em 2020, trazendo o caso em seus mínimos detalhes para um público ávido por esse estilo de narrativa. Conhecemos o passado irreverente de Ângela, os relatos sobre o relacionamento conturbado e eventualmente a morte pelas mãos de Doca Street, e o desenrolar do caso, que no mínimo, envelheceu mal e hoje dá nojo de ouvir. Mas tudo isso de uma perspectiva histórica, sem muito apego.

uma mulher num vestido de gala desvia o olhar
Isis Valverde como "Ângela"

O filme "Ângela" prometia um aprofundamento no personagem de Ângela, um detalhamento de seu relacionamento com Doca pra além do caso criminal. Mas quem estava esperando isso, entrou na sala do cinema esperando demais.


O longa está disponível na plataforma Prime Video e conta com 1 hora e 44 minutos de duração e direção de Hugo Prata (Elis) e roteirização de Duda de Almeida.


Visualmente lindo, com tudo de bom e melhor que os anos 70 poderiam oferecer quando se trata da vida luxuosa de uma socialite que ouve muita música americana, "Ângela" conta com dois verdadeiros tesouros da televisão brasileira: Isis Valverde no papel de Ângela Diniz e Gabriel Braga Nunes como "Raul", nome real do Doca.


A direção de Hugo Prata é cortada, irregular, indo de corridas frenéticas e sequências cheias de energia para cenas contemplativas que demoram segundos em um objeto estático, sem apresentar um padrão. Há também um certo voyeurismo de sua parte aqui, nas cenas íntimas entre o casal, quase que tirando uma página do manual de Andrew Dominik em "Blonde", andando em corda bamba entre um vídeo pornô e um clipe musical super provocativo.

Casal posa na praia
Isis Valverde e Gabriel Braga Nunes como "Ângela" e "Raul"

O roteiro de Duda de Almeida certamente será insuficiente para a audiência que já consumiu o caso pelo "Praia dos Ossos". Aqui, as particularidades do caso são deixadas de lado, até porque, diferente do podcast que toma uma visão mais histórica, tudo acontece "em tempo real" no filme.


Tendo uma visão daquele momento na vida da socialite seria especialmente emocional para a audiência, e performance carregada de Valverde ajuda a construir esse aspecto, mas o roteiro falta muito em nos contar QUEM era Ângela Diniz.


O trabalho de Duda de Almeida é valoroso em tentar desmistificar o ciclo da violência, mostrar os passos iniciais da dominação abusiva em um relacionamento, o que é algo muito válido, num país onde houveram 1.153 feminicídios só na primeira metade deste ano de 2023. "Ângela", então, é uma tentativa de medida preventiva, nos ensinando a notar esses detalhes em relacionamentos que podem se tornar violentos e acabar em tragédia.

duas mulheres tomam café juntas
Carolina Mânica e Isis Valverde em "Ângela"

Mas para construir essa ideia de que "poderia ser qualquer uma de nós", parece que o roteiro só pegou a base do caso da Ângela e a tornou tão comum que saímos da sessão nos perguntando porque não construir uma história do zero com esses mesmos valores, mas contando também com a liberdade de não se ater a fatos históricos. Talvez isso tenha um link com o sucesso de Praia dos Ossos.


Em conclusão, "Ângela" se assemelha àqueles livros antigos que a gente lê não só pensando no entretenimento, mas também sabendo que para tirar proveito de uma experiência que pode ser datada, é preciso entrar na sala sabendo que o valor daquela peça é mais educacional do que artístico.

 
 
 

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Matinê Baiana

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